Em 2000, um técnico de informática chamado Dave Ulmer colocou um balde de 20 litros em uma área de floresta próxima a Beavercreek, no estado americano de Oregon, deixando nele alguns CDs, uma fita VHS, um estilingue, um livro de Ross Perot, uma lata de feijões, e um caderno de registros. Ele capturou as coordenadas utilizando um sistema de GPS, as postou na internet, e declarou uma regra: Pegue algo, deixe algo. Dezesseis anos depois, haveria centenas de milhares de pessoas pelo mundo a fora com smartphones em mãos procurando por um “psyduck” ou uma “squirtle”, utilizando virtualmente a mesma mecânica empregada pela estranha caça ao tesouro de Dave.
Antes de Pokémon Go virar mania, vasculhar o mundo a procura de “tesouros” em coordenadas específicas – o chamado Geocaching – era algo dominado por uma subcultura mais silenciosa. O hobby tornou-se possível através do presidente Bill Clinton. O Governo americano havia propositadamente limitado a precisão de rastreamento feito por GPS para o público em geral adicionando erros no sistema, alegando preocupações com a segurança nacional. No ano 2000, um pouco antes de Dave deixar seu balde escondido na floresta, a Casa Branca permitiu que qualquer pessoa pudesse ter acesso a sinais de GPS mais precisos, sem erros.
“Coordenadas para tesouros podem ser compartilhadas na internet, pessoas podem chegar até eles e pegar algumas coisas”, escreveu Dave na época. “Em breve haverão milhares de tesouros pelo mundo para serem procurados”.
Ele estava certo. Geocaching explodiu e tomou proporções mundiais. Todos os tipos de jogadores começaram a praticar, desde os “hardcore geeks” do Geocaching, à famílias procurando por um motivo a mais para fazer um passeio. Groundspeak, o grupo que dirige o site Geocaching.com, diz que há aproximadamente 3 milhões de geocachers ao redor do mundo. O site estima que existam cerca de 2 milhões e 800 mil geocaches escondidos pelo mundo todo, esperando para serem encontrados. A prática é tão “mainstream” na América do Norte que a famosa loja de produtos outdoor, REI, lançou um guia para principiantes encorajando clientes à experimentarem Geocaching.
No começo, “todos que queriam jogar tinham que ser um pouco geek,” diz Sonny Portacio, que é um geocacher com mais de dez anos de experiência e tem um podcast sobre o tema com sua esposa. “Você tinha que descobrir como usar um daqueles aparelhos GPS”. Geocaching, desde sua criação, tornou-se mais acessível através de smartphones, e a facilidade de praticar atraiu um público maior.
Os geocachers são uma comunidade unida, organizando eventos que remetem aos velhos tempos dos clubes sociais e noites de jogos (se você tem mais de 30 anos, sabe do que estamos falando). Chris Ronan, porta-voz do site Geocaching.com, diz que foram realizados cerca de 8.600 eventos de Geocaching nos Estados Unidos em 2015 e mais de 31.000 mundialmente. A maioria consiste de eventos pequenos com aproximadamente uma dúzia de pessoas que se encontram em algum parque, mas existem “mega-eventos” que podem reunir 500 pessoas ou mais. “Giga-eventos”, que até agora aconteceram apenas na Alemanha, reúnem mais de 5 mil pessoas.
Geocachers mais “devotados” tem sentimentos misturados sobre a ascensão do jogo Pokémon Go. Muitos são gamers tão ávidos que eles estão sempre a procura de novos jogos, diz Sonny Portacio, enquanto geocachers mais puristas vêem os jogos de smartphone desse tipo como intrusos em seu território. “Você sempre encontrará pessoas que são opositores de qualquer coisa,” disse ele.
Em qualquer jogo, esporte ou hobby, sempre haverá algo que veio antes. O próprio Geocaching nasceu a partir do Letterboxing, um jogo que começou na Inglaterra em 1854. Pessoas criavam pistas que levavam à uma caixa contendo um caderno e um carimbo, onde os jogadores deixavam seu registro.
Independentemente dos haters, jogos de smartphone têm explorado o ar livre por algum tempo. Um dos antecessores de Pokémon Go foi o Plundr, um jogo de piratas em que pontos de wi-fi são ilhas disputadas pelos jogadores, e seu predecessor ConQwest, que tinha como objetivo capturar códigos ópticos (similares ao QR code) pela cidade utilizando a câmera do celular. Um co-criador desse jogo foi Dennis Crowley, que alguns anos depois veio a fundar a empresa de localização de lugares Foursquare.
E então veio o Ingress, um jogo desenvolvido pela mesma empresa por trás de Pokémon Go, a Niantic, que nasceu a partir do desligamento de funcionários da Google. Ingress combina geocaching e realidade-aumentada para criar um jogo de ficção científica baseado em geolocalização, no qual duas facções inimigas batalham para capturar portais em vários marcos ao redor do mundo. Os jogadores podem interagir com vários itens, portais, e controlar campos no mapa apenas visitando os lugares pessoalmente, com o smartphone em mãos.
Pokémon Go utilizou o Ingress como seu alicerce, construído com um conjunto de dados coletado por dois anos e meio. Esses dados ajudaram a determinar a localização de PokeStops e Ginásios Pokémon que aprimoram o panorama do jogo, muitas vezes localizados em locais públicos como bares e parques.
Inevitavelmente, Pokémon Go já entrou na vida de alguns geocachers. “Qualquer coisa que faça as pessoas irem para o ar livre, ter aventuras e explorar novos lugares é potencialmente uma coisa boa”, diz Chris Ronan. “Há pessoas dizendo que encontraram jogadores de Pokémon Go enquanto estavam procurando por geocaches”.
Nota pessoal:
Eu particularmente não jogo Pokémon Go, pois não me senti motivado a ponto de ir além de apenas experimentar o jogo.
Quando Pokémon tornou-se popular no Brasil, eu já não assistia desenhos animados, portanto os personagens do desenho, e do jogo, não geram em mim nenhum sentimento de idenficação ou nostalgia. Talvez esse seja o principal fator que não me motive a jogar Pokémon Go.
Acho muito válido que o jogo tenha feito pessoas, até então sedentárias, saírem de casa e praticarem uma atividade ao ar livre, mesmo que ela consista apenas em utilizar o celular para encontrar elementos virtuais.
Acredito que nós, como geocachers, não devemos apontar os aspectos negativos de Pokémon Go, pois os perfis de jogadores são completamente diferentes. Devemos sim, tentar enxergar as consequências positivas que a popularidade de Pokémon Go pode ter para a prática de Geocaching, como:
- não sermos mais vistos como os únicos “malucos” procurando por algo olhando para a tela de um dispositivo, o que de certa forma pode fazer com que não chamemos mais tanto a atenção dos muggles;
- a conscientização de estabelecimentos comerciais e instituições sobre a possibilidade de divulgar seu negócio/entidade de formas diferentes (sim, geocaches podem ser escondidos em cafeterias, bares, museus, bibliotecas, etc);
- e a habituação com o ato de utilizar o sistema de localização de smartphones para encontrar itens em lugares específicos, o que pode ajudar na compreensão do que é esse “hobby estranho” que praticamos e, no futuro, pode despertar o interesse de jogadores de Pokémon Go e outros jogos do gênero por Geocaching.
E você? O que acha de Pokémon Go? Deixe sua resposta abaixo nos comentários!
Este texto foi originalmente publicado em inglês por Kim Bashin no site Bloomberg.com.