O que é o geocaching senão também um motivo pra você ir pro outro lado do país em busca de uma inesperada aventura?
Aproveitando uns dias de folga resolvi dar uma olhada nos raros caches do mapa cearense, alguns estão dentro de locais fechados por conta da pandemia… Sobravam poucos realmente.
Mas e esse tal de Dunas de Cumbuco? Um cache com quase uma década, escondido em 03/09/2011, 23 dias antes de eu entrar no geocaching (entrei em 26/09/2011), com apenas 34 logs, a absoluta maioria de estrangeiros… O último é uma nota da owner de um Travel Bug que foi esquecido neste cache há quase dois anos, solicitando que alguém o resgate. Hmmm… Estimulante!
Me interessei bastante por este geocache e estou disposto a recuperar este TB sumido! Será que consigo ir até lá? Veremos quando chegarmos em Fortaleza…
Já na região nordeste do país, tiramos a segunda-feira para ir até este local paradisíaco chamado Cumbuco. Contratamos um serviço de transfer com a agência Planeta Turismo. Como este destino não é muito procurado, ainda mais num dia útil e período pandêmico, ao invés de um micro-ônibus ou uma van, nos foi disponibilizado um automóvel como condução de uma empresa parceira. Eu, Spodolak, Yvesaur e mais algumas moças de Goiânia (acho?) e o guia/condutor/agente/comissionado, seguimos para a direção oeste do Ceará.
A viagem foi tranquila e durou cerca de uma hora, cruzando belos e curiosos locais, entre eles a maior favela cearense, Pirambu, segundo nosso guia é uma região dominada por facções criminosas, curiosamente localizada numa atrativa beira mar.
Chegamos na praia de Cumbuco, que dispensa descrições e elogios, basta você digitar seu nome no google que verá fotos de uma das praias mais lindas do Brasil.
Lá fomos recepcionados na “Barraca do Chico do Caranguejo”, barraca é como eles chamam os grandes restaurantes na bonita e quente orla da cidade. Na verdade é mais que isso, é um verdadeiro “resort” com vários serviços à disposição, piscinas, acqua park… Só faltou o anão Tattoo pra eu me sentir na Ilha da Fantasia. Numa decoração meio kitsch! (achei isso devido as rochas falsas, laguinhos artificiais e uma aparência apelativa estrangeirista. Sem uma identidade nordestina, que é o que eu esperava).
Percebi que os guias têm uma atitude peculiar, de tentar forçar o turista a consumir os serviços indicados por eles. Desde o restaurante, um guarda volumes, uma mesa paga à parte… Até os famosos passeios off road de buggy. Isso devido obviamente pelas comissões que recebem dos beneficiados.
Bem, o guia e o passeio já estavam acertados e pagos… O restaurante onde nos havia deixado também seria aproveitado e certamente pago à parte… O geocache, motivo principal da minha investida, se encontrava cerca de 2km de onde estávamos, nas pesadas dunas cumbucanas, o sol estalava no céu azul… Antes de buscá-lo, durante uma cervejinha na beira mar para dar coragem, fomos abordados por um bugueiro (associado ao restaurante) que nos ofereceu um valor 70 reais mais barato que os 300 bozos que são cobrados oficialmente.
Bóra lá então passear neste seu “travel buggy”! Mas desde que condicionalmente me deixe descer neste local! Apontei no mapa do celular para onde estava o geocache e ele topou.
-Vai dar algum problema com o restaurante se eu acertar direto contigo??? Perguntei.
-Nããããoooo, imagina… Respondeu o condutor, ostentando se tratar de um veterano com 35 anos de passeios prestados.
Para garantir, avisei também a recepcionista da barraca que peguei o buggy diretamente com o motorista. Ela fez uma cara estranha mas não se opôs, me deixando deveras confortado.
Chegando no buggy, primeira controvérsia, deveríamos seguir a ordem sequencial dos bugueiros… Ao invés do simpático Toninho (Xará do famoso geocacher), iríamos com o motorista que estava na vez, mas sem problema… O valor acordado seria mantido…. Apontei novamente pro mapa mostrando onde era minha prioridade. Concordou. Paguei.
-Com emoção ou sem emoção??? Nos perguntou nosso chofer das areias cearenses…
Esta é uma famosa história presente nos passeios pelas dunas brasileiras. O “com emoção” é exageradamente brusco, turbulento e acelerado, passa pelos locais mais íngremes e assustadores, fazendo com que a adrenalina do turista seja colocada à toda prova. O “sem emoção”, ao contrário, é uma excursão calma e contemplativa.
-Vamos com emoção, claro!
Se antecipou meu filho Yves (10 anos), antes mesmo de eu poder analisar se era isso mesmo que eu queria… Bem, urru! Bóra lá guaraná!!! (como diz o pequeno geocacher)
Saímos empolgados, montados na traseira daquele buguinho amarelo barulhento, segurando firmemente no “Santantônho”, aceleradamente chegamos no início das incríveis e belíssimas dunas. Serpenteando os caminhos de areia fofa fomos subindo e descendo naquela montanha russa da natureza… Gritando de pavor e emoção! Era o batismo que testava nossa ousada coragem perante a situação.
Nossa primeira parada desta corrida maluca foi no atrativo conhecido como SKYBUNDA. Onde (novamente pago à parte e comissionadamente conveniente) descemos uma grande duna sentados numa prancha de madeira, acabando numa das inúmeras lagoas de água doce que enriquecem ainda mais o passeio. É um tobogã divertido e curioso num verdadeiro oásis.
Depois de um tempo escorregando nas dunas peguei o celular para confirmar a distância do geocache. Estávamos 1,5km antes do local. Mostrei novamente ao condutor e reafirmei minha intenção de parar neste ponto específico. Seguimos o passeio após sua confirmação positiva.
Enquanto chacoalhávamos naquele desordeiro zigzag, eu não sabia se segurava o celular, o boné, os óculos de sol ou a mim mesmo… Impossível de segurar e navegar com o GPS simultaneamente. O passeio “com emoção” realmente se supera, a ponto de algum passageiro mais emotivo quase chorar de tanta comoção. Eu, não me abalava, confiante na experiente destreza do bugueiro. Afinal, estes sujeitos conhecem essas dunas muito bem, como a palma de suas mãos… Pode confiar… Apenas me segurava pra não sair voando pra fora do “Emotion mobile”.
Até que o audaz piloto parou a áurea viatura, numa bela duna assegurou que era o destino onde eu queria chegar. Beleza! Vou confirmar no mapa e… Espere aí! Passamos 1,7 km do geocache! E agora?
-Vamos voltar? Posso voltar a pé? Perguntei, já listando as opções.
-Não dá, pois aquela última íngreme descida que passamos é impossível de transpor no sentido oposto. Disse nosso comandante, obviamente me desapontando. Deveríamos seguir até o final do circular roteiro, que ainda estava bem longe. E então iniciar tudo de novo para chegar ao local pretendido.
Ele queria que abortássemos a ideia, afinal as dunas são todas similares, porquê se preocupar em ir especificamente naquela? Tem outras… Hááá… Esses muggles… Enquanto discutíamos ele recebeu uma ligação de alguém e começou a discutir também com o interlocutor. Numa pausa disse:
-Espere aí. Fale com ele! E pasmem! Me passou seu celular.
-Quê? Ligação pra mim??? O que será?
Era um terceiro (ou quarto, sei lá) envolvido naquela rede organizada de comissionados dos passeios de buggy, um representante da associação de bugueiros, alegando que havia recebido uma denuncia do meu guia (aquele primeiro, lembram?), dizendo que eu havia pego o passeio por fora, sem ser intermediado pelo restaurante, em desacordo com o que tem conferenciado entre eles…
-Tá! E o que é que eu tenho a ver com isso? Como me liga no meio do meu passeio pra querer resolver isso? Quer saber… Depois a gente resolve! Me deixe acabar o passeio que quando eu chegar aí a gente conversa…
A partir deste momento o clima já ficou meio chato, todos meio descontentes com a situação. O bugueiro se justificando sobre aqueles probleminhas, a gente querendo tentar resolver… Quer saber? Vamos prosseguir com o passeio e tentar não se estressar. Mas a cara de todos já não tinha o mesmo sorriso inicial.
E seguimos… Fomos parando em mais uns belíssimos pontos turísticos naquelas incríveis dunas. Uma tirolesa que cai direto na lagoa, um escorregador toboágua super veloz, uma vista de tirar o fôlego da Lagoa da Banana… E as trilhas “com emoção” ficaram ainda mais bruscas. Pareceu que o descontentamento do bugueiro fez com que ele tenha ficado mais agressivo no volante, suas curvas eram cada vez mais abruptas e repentinas… Parecia que queria descontar sua raiva na areia. Isso a ponto do Yves falar em uma das diversas paradas.
-Faz o seguinte, senhor condutor… Vamos a partir de agora “sem emoção”, tá? Tirei sarro dele por causa disso, mas confesso que foi consolador termos diminuído aquele ritmo frenético.
Depois de cerca de duas horas de passeio chegamos na extremidade do percurso, na Barra do Cauípe, um local que é parada obrigatória neste passeio radical. É uma faixa estreita de areia onde, de um lado tem o mar azul característico da região e do outro uma lagoa de água doce perfeita, repito, perfeita para passar o melhor momento do dia. Ainda não citei, mas Cumbuco é um destino internacional da prática de Kitesurf. Seus ventos e lagoas são perfeitos para a prática desta atividade. Esta é uma das grandes lagoas onde pessoas de todo o mundo vem praticar esse esporte.
A água é morna e límpida, a profundidade é tranquila, o espaço é amplo, a vista é linda, o clima é quente e fresco, a galera é good vibes, o som é agradável… etc, etc, etc. Ficamos lá boiando e se refrescando, enquanto esquecíamos definitivamente dos pormenores que havia ocorrido naquele tour maluco.
Entre uma foto e outra percebi que minha câmera GoPro parou de ligar! Que estranho, nunca deu problema… Vou tirar e recolocar a bateria pra ver se reseta. Epa! Que água é essa dentro da câmera? Ela é à prova d’ água, super lacrada e isso não é normal…
Pois é! Infelizmente entrou água dentro da câmera e aqui jaz uma GoPro… Me conformei com a perda pra não ter que esquentar a cabeça com mais um problema, afinal nada é para sempre. fazer o quê? Depois, com mais paciência, no hotel, vi que ocorreu um problema na vedação do botão “mode” e a água conseguiu entrar no interior dela, danificando-a. Felizmente as fotos até então batidas foram salvas e puderam ser copiadas do cartão.
Seguimos com o passeio, o retorno é pela beira mar, onde o nosso “Hot Wheels cearense” mostra todo o potencial de seu desenvolto motor de fuque 4 cilindros com carburação dupla! Deve chegar a uns 70 km por hora, que pode parecer pouco numa estrada pavimentada, mas que naquele tipo de terreno faz parecer que estamos correndo a 300 km/h… Nosso “Rubinho Barrichello caucaiense” dirigia habilidosamente pela praia, mas nem nos dirigia à palavra. Devido aquele clima chato que os contratempos resultaram.
Seguindo por essa reta, no sentido do nosso destino final, retornaríamos até o ponto de onde saímos, lá no Chico do Caranguejo… Deve dar uns 8 km.
Eu cochichava com minha esposa se existia a possibilidade do bugueiro nos “dar o golpe” naquela história de voltar até a duna do geocache. Será que vai se fazer de esquecido e fica por isso mesmo?
Mas não foi assim. Desviou o caminho numa entrada, cruzamos a rodovia, entramos novamente nas dunas por um atalho que foi direto pra região do cache. Navegamos tranquilamente até bem perto do ground zero e paramos!
Hurru! Hora de procurar pelo container. 20 metros… 15 metros.. 10… 7… Para subir a crista íngreme tive que tirar o chinelo, pois ele atrapalhava e me fazia escorregar demasiadamente. Passei por trás da vegetação abundante que estabiliza aquele monte de areia fofa e antes mesmo de adentrar no mato já avistei na base da árvore o “PPPPPPP” (pequeno pote preto plástico por poucos procurado). Gritei guturalmente e bem alto aquela palavra que todo geocacher adora soltar no seu momento de vitória.
Devem ter ouvido lá do APEcache de Intervales esse heróico brado retumbante.
Esqueci da câmera estragada, desconsiderei o humor adverso de nosso capitão bipolar, ignorei o comissionado revoltado… Fala a verdade! Foi isso que nos trouxe aqui… Não as belas lagoas, nem o Skybunda… Foi o geocaching.
Entrei descalço entre a restinga sentindo na pele que um dos atributos é “espinhos”, abri o geocache, retirei o Travel bug, aquele que foi abandonado há quase dois anos, quase um geo órfão. Ao fundo eu imaginava uma trilha sonora ornamentando aquela cena inesquecível... We are the champions ♪ … my friend ♫ … Tchan, tchan, tchan ♫ … We ♪ … keep on fighting to the end ♫ … Aqueles segundos pareceram durar horas.
Pronto. Missão dada é missão cumprida (e bem comprida também)! Podemos voltar totalmente satisfeitos pra barraca do Chico, pois senti que no final tudo deu perfeitamente certo, agora é hora de comemorar essa gloriosa conquista tomando outra merecida cervejinha gelada.
No caminho de volta eu segurava o TB com as duas mãos e sussurrava:
-MY PRECIOUS!!! Como se eu fosse o personagem fictício “Gollun” de “O Senhor dos Anéis”.
Pela nula atividade atual do dono deste cache eu imagino que ele não joga mais… Mesmo assim, deixo meu grande TFTC (thanks for the cache) por ter escolhido este local para esconder este verdadeiro tesouro. Foi um dos quatro geocaches que eu pude achar nestes 8 dias que passeamos pelo Ceará, mas foi singular e muito divertido. Me fez reacender aquele sentimento tenaz que eu tinha quando conseguia encontrar meus primeiros geocaches, quase 10 anos atrás.
Foi uma verdadeira geocachada “com emoção”.
Sensacional a história meu caro “Danger_Danger” !!
Você é ‘o cara’ !
Abração.
O’Bill-Wan
Campo Largo/PR